terça-feira, 5 de outubro de 2010

de cara com a morte,

ela estava lá. na minha frente. parada bem ali, me olhando com ar de serenidade. estava tranquila, tinha feito seu trabalho. agora esperava paciente, as pessoas queridas fazerem o trabalho delas.
a poucos dias escrevi sobre o medo que tinha, o medo da morte. de quando eu ainda era pequena. pois veja que eu, sentada ali, no velório do pai da minha melhor amiga, frente a frente com ela, como nos meus 5,6 anos. e ela não me assustou. é triste a dor da perda. a morte não sabe como é pq nunca morre. nossa única certeza no mundo é que ela existe. e que um dia vem, mas mesmo assim é dificil aceitar que as pessoas tenham que ir embora. foi o primeiro velório da minha vida. sentada ali do lado da minha amiga, eu precisava mostrar pra ela que eu estava alí, que era normal, apesar de ser doloroso. mas eu não sabia como. eu só abracei ela. achei melhor não pronunciar nenhuma palavra. não importa o quão boa eu seja nisso, eu não fazia nem idéia da dor que ela estava sentindo. e só por isso, eu já me senti horrivel.
encarei ela. pela primeira vez, nós duas estávamos na mesma sala. de cara com a morte, eu não me senti nem um pouco intimidada. ela não era, na verdade, nada do que eu esperava. estava quieta. já li vários livros em que os escritores dizem sentirem o cheiro da morte; eu não senti, mas acredito que se morte tiver um cheiro, deve ser de flores, flores brancas, como crisântemos, que me lembram fim. paz. serenidade.
essa é a palavara. ela me fitava serena, com os olhos baixos, apoiada do lado do caixão. não parecia sentir remorso, nem deveria.. é o seu trabalho. ficava assistindo as pessoas irem e virem, pacientemente, como que certificando-se de que havia feito tudo certo. engraçado; não. não era engraaçado. a morte podia não parecer assustadora mas a dor que as pessoas sentiam parecia. muito mais afrontadora do que meu medo de infância, era a dor. eu estava lá, do lado da minha amiga, e queria lhe passar conforto, força, esperança. mas não conseguia. me fiz presente pra mostrar que sou amiga que ela podia contar comigo, que não importasse o que acontecesse, eu ia estar presente. pq amigas não só pras horas boas. e fiquei firme lá. até a fiz rir um pouco, que foi a melhor parte, mesmo assim não conseguia tirar a inconformação dos olhos dela. claro que eu não sentia a morte me intimidar. ela não estava lá por causa minha, era indiferente comigo. ela não entrou na minha casa.
pensei todo o dia se deveria ou não escrever tudo o que senti aqui, mas resolvi escrever sim. pra tirar da cabeça das pessoas o medo que eu tinha, e trazer conformação. mesmo que seja dificil, é bom manter essa idéia dormindo na cabeça. que ela vem, ela sempre vem. e por mais doloroso e cortante que pareça, é a ordem natural das coisas. o padre que fez a homenagem, disse ontem que a morte é uma porta que se abre pro reino de Deus. e disse que as pessoas poderiam conseguir conforto nas palavras de Jesus: "aquele que crê em mim, ainda que morra viverá." e assim segue sendo a vida, pra todos nós até seu fim, melhor: seu novo começo. conforta mesmo saber que vamos encontrar novamente as pessoas amadas que perdemos.
e que assim seja.
espero que quem quer que encontre ela, à veja do mesmo jeito que eu ví. serena, sombria, pacífica. e que se ela tiver cheiro ou forma, mesmo que a dor corte o peito, que seja de tranqüilidade, descanso enfim.

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